"Não gosto de nada que é raso, de água pela canela. Ou mergulho até encontrar o reino submerso de Atlântida, ou fico à margem, espiando de fora. Não consigo gostar mais ou menos das pessoas, e não quero essa condescendência comigo também." Martha Medeiros
sexta-feira, 25 de maio de 2012
Algo loco
"As mais mirabolantes histórias de amor, as mais longas, as mais entranhadas, as mais aflitivas e ao mesmo tempo apaixonantes, não são exemplos de serenidade.
Ela bate a porta com força e diz que vai morar em outro país, em busca de umas aventuras idealizadas que ela nem tem certeza se precisam mesmo ser vividas, e ele chuta o pobre do cachorro e passa três dias sem comer e sem dormir, então pede um dinheiro emprestado e vai atrás dela, não importa que não tenha nenhum endereço onde procurá-la, e ao chegar a Madri, que era o destino daquela desmiolada, e ele só sabendo dizer muchas gracias e nada mais, aceita a ajuda de uma menina de Londrina, Paraná, que trabalha no aeroporto e que malandramente colocou à disposição seu apê por uma noite, e como ele está morto de cansado e carente até a medula, aceita e acaba tendo um affair que já dura duas semanas com a paranaense, enquanto aguarda que a providência divina coloque aquela maldita fujona na sua frente, por quem ele segue apaixonado e sem saber que ela está lavando cabelos clandestinamente num salão de beleza de quinta categoria e mortalmente arrependida por ter saído do Brasil feito uma desatinada atrás de uma coisa que ela nem sabia direito o que era, a única coisa que ela sabe hoje é que ama aquele infeliz ciumento, mas até do ciúme dele ela sente falta, e enquanto morre de saudades escreve uns poemas de amor que ela tampouco sabe como fará chegar às mãos dele, já que telefonou e soube que o homem desapareceu no mundo, nem a mãe dele desconfia de onde ele se meteu, e ela teme que ele esteja bem longe, mais longe do que nunca esteve, e chora enquanto lava o cabelo de uma paranaense que apareceu por ali dizendo que precisa ficar bonita porque conheceu um brasileiro perdido no aeroporto e quer ver se consegue conquistá-lo, o que a fujona desaconselha veementemente, não invente de se apaixonar, a gente perde o senso, um dia gosta e no outro não tem certeza, é uma montanha-russa que nos desestrutura e no final das contas a gente faz uma besteiras como querer aproveitar a vida a qualquer custo, como se estando apaixonada não a estivéssemos aproveitando, e então o cabelo ficou lavado e as duas brasileirinhas trocaram um sorriso e antes que se despedissem já estavam combinando de comer juntas um feijão contrabandeado e a fujona prometeu aparecer no domingo para o almoço, quando então se reencontrou com aquele infeliz ciumento que ela havia abandonado e ali os dois brigaram feito cão e gato, ela chamando-o de galinha, ele chamando-a de inconstante, e diante da paranaense estupefata e do feijão esfriando na panela calaram-se com um beijo que quando terminar recomeçará a história de outro jeito.
"Amor que no es algo loco, logrará poco". Provérbio espanhol. Verdade universal."
por Martha Medeiros
Tive uma identificação instantânea com essa crônica da Martha Medeiros, uma das autoras em que mais gosto. Talvez por estar numa fase parecida com essa, em que não se sabe direito o que quer, ter muitos planos para colocar em prática e o medo de algum outro interferir no principal. Mas no fim, seja o que Deus quiser. Sua proteção é o mais importante sempre.
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